» REFLEXÕES SOBRE O SISTEMA DE JUSTIÇA ANGOLANO

» A ILEGALIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTAS POR FALTA DE NOTIFICAÇÃO DAS GUIAS PARA O PAGAMENTO DO PREPARO INICIAL

Já há muitos anos, vigora em algumas secções da Sala do Cível e Administrativo, um procedimento que pode ser considerado pouco adequado e, até certo ponto, digno de ser desencorajado num Sistema de Justiça como o nosso, por suscitar discussões sobre a sua legalidade.

O procedimento decorre da interpretação compartimentada e isolada de algumas normas, a desfavor dos utentes, feita pelos funcionários do tribunal, incluindo alguns juízes, da primeira parte do art.º 127.º conjugado com a primeira parte do art.º 134.º do Código das Custas Judiciais “CCJ”, cujo conteúdo abaixo transcrevemos:

“O preparo inicial do autor ou requerente será feito nos cinco dias seguintes à apresentação do seu requerimento em juízoou à distribuição, quando a haja” – primeira parte do art.º 127.º CCJ

“Se o autor recorrente ou requerente não fizer o preparo inicial no prazo legal será …, notificado ou avisado para, em cinco dias, pagar um imposto igual ao preparo e depositar o preparo que deixou de fazer se quiser que prossiga o seu pedido.”

Para os operadores referidos, depois de dar entrada de uma peça processual na distribuição geral, o requerente deve, tal e qual um ladrão ou fiscal, pernoitar à porta do tribunal para saber se o processo já foi distribuído. Se assim não proceder, deverá pagar o valor do preparo inicial em dobro.

Como já referimos, esta visão decorre de uma interpretação isolada das normas, sem atender ao sistema em que elas estão inseridas. Por exemplo, decorre da Constituição da República de Angola que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação..,” (n.º 2 do art,º 29.º da CRA). Ora, o direito a informação implica o direito de ser notificado do resultado de qualquer acto que se tenha requerido. No caso em concreto, envolve o direito de ser notificado da emissão das guias para o pagamento do preparo inicial. Outrossim, “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais são directamente aplicáveis e vinculam todas as entidades públicas e privadas” (n.º 1 do art.º 28.º da CRA).

Apesar disso, a Lei n.º 29/22 de 29 de Agosto, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum reforçou o direito à informação ao consagrar no n.º 1 do art.º 12.º que “todos têm direito à informação…”.

Assim, fica patente que os funcionários dos tribunais não devem passar multas por falta de pagamento das guias se não notificaram os utentes ou os seus advogados da respectiva emissão, por violar o direito à informação consagrado na CRA e na Lei n.º 29/22 de 29 de Agosto, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum. Neste âmbito, é digno de nota que vários são os funcionários dos tribunais e juízes que se repugnam com a actuação dos seus colegas em passar multas quando não tenham notificado as partes.


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