AS OMISSÕES E INCONGRUÊNCIAS DA NOVA LEI GERAL DO TRABALHO
I. INTRODUÇÃO
No dia 1 de Março, foi publicada em Diário da República, a Rectificação n.º 2/24, em função da inexactidão, de substância ou conteúdo na Lei n.º 12/23, 27 de Dezembro de 2023, que a aprova a Nova Lei Geral do Trabalho, adiante “NLGT”.
Com esta Rectificação, que há muito se aclamava, surgiram outros apelos e indagações, como por exemplo: (i) O legislador poderia ter sido mais abrangente; (ii) não se falou nada sobre a medida disciplinar de Despromoção Temporária de Categoria, entre outras. Assim, nesta breve reflexão abordaremos a figura da “Rectificação”, no âmbito legislativo, algumas omissões e incongruências constantes na NLGT.
II. DO OBJECTO DAS RECTIFICAÇÕES
A figura da Rectificação, objecto da nossa análise, encontra-se regulada na Lei n.º 7/14 de 26 de Maio, Lei Sobre Publicações Oficiais e Formulários Legais. Nos termos do n.º 1 do art.º 9.º do referido diploma, “São admissíveis rectificações, correcções e erratas de qualquer acto legislativo ou normativo ou outro acto que vise a correcção de erros materiais ou formais, resultantes de divergências entre o texto original remetido e o texto publicado”. Disto resulta que uma rectificação incidirá, em princípio, unicamente sobre erros materiais ou formais que resultem de divergências entre o texto original remetido e o texto publicado. Dito doutro modo, só podem, em princípio, ser rectificados conteúdos já constantes do texto original remetido à Imprensa Nacional. Assim, se da versão original não constar a regulamentação de determinada matéria, esta não poderá ser regulamentada em sede de rectificação.
Considerando que a rectificação foi omissa a um conjunto de temática relevantes, que carecem de melhor regulamentação, podemos concluir que tais matérias foram insuficientemente tratadas no texto original. Assim, para um ajuste profundo de determinadas figuras da NLGT é recomendável a aprovação de uma Lei de Alteração (art.º 10.º da Lei n.º 7/14 de 26 de Maio, Lei Sobre Publicações Oficiais e Formulários Legais).
No essencial, a Rectificação n.º 2 /24 corrigiu erros de escrita, de remissão, de omissão de prazos[1] e suprimiu frases para estabelecer melhor o sentido de determinados artigos. É digno de nota que, nos termos do n.º 6 do art.º 9.º do diploma referido, “a eficácia das declarações de rectificação retroage à data da entrada em vigor do texto rectificado, salvo os efeitos jurídicos produzidos no período de tempo entretanto decorrido”.
III. DAS OMISSÕES E INCONGRUÊNCIAS NA NLGT
Apesar de ser um diploma, de uma maneira geral, tido como consensual, por aproximar os principais pontos de divergência entre a classe dos trabalhadores e dos empregadores, a NLGT contém igualmente algumas omissões e incongruências relevantes, que passaremos a elencar.
O legislador consagrou 2 medidas disciplinares novas, nomeadamente, a Despromoção Temporária de Categoria e a Suspensão do Trabalho com Perda Parcial de Retribuição. Entretanto, no que se refere à primeira, o legislador nada mais disse além de determinar o nome. Esta omissão tem feito com que vários pensadores encontrem soluções para este problema, como por exemplo: i) aplicação do regime consagrado na Lei de Bases da Função Pública
[1]; ii) despromover um único degrau em relação à função exercida pelo trabalhador, durante o tempo que o legislador permite para outras medidas constantes da NLGT. No caso da Suspensão do Trabalho com Perda Parcial de Retribuição, o legislador fala em perda parcial, mas permite que a suspensão ocorra até 30 dias, por cada infracção, e 60 dias em cada ano civil (n.º 3 do art.º 87.º da NLGT). Estando o trabalhador suspenso por 30 dias, a consequência imediata será a perda total e não parcial da remuneração naquele período. Ainda sobre esta medida, a maior incongruência resulta no estipulado no n.º 4 do referido artigo, que dispõe que “
os valores dos salários não pagos ao trabalhador, em virtude da… suspensão…
são depositados pelo empregador na conta da Segurança Social… devendo incidir também sobre esses valores as contribuições do trabalhador e do empregador para a Segurança Social”. Ora, apesar de o empregador ficar privado do trabalho do trabalhador, ele ainda assim terá custos com a respectiva remuneração, devendo proceder ao depósito junto do Instituto Nacional de Segurança Social “INSS”. Resumidamente, o empregador fica mais onerado aplicando esta medida do que qualquer outra.
Nestes termos, considerando as problemáticas que se levantam em torno das medidas de Despromoção Temporária de Categoria e Suspensão do Trabalho com Perda Parcial de Retribuição, não recomendamos a sua aplicação até que sejam objecto de melhor regulamentação pelo legislador.
2. PROIBIÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR DURANTE AS FÉRIAS
Apesar de concordarmos com esta opção, o legislador foi omisso quanto ao efeito suspensivo do prazo para o exercício do poder disciplinar durante as férias. Acreditamos que será uma consequência lógica, em função do justo impedimento que o empregador terá, principalmente se o trabalhador receber a notificação da convocatória antes de sair de férias e o prazo para a realização da entrevista, por exemplo, coincidir com o período de gozo de férias. Entretanto, é recomendável que, sempre que possível, o legislador seja suficientemente claro.
3. AUTORIZAÇÃO DA INSPECÇÃO GERAL DO TRABALHO NA PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA ALÉM DO LIMITE, NOS CONTRATOS POR TEMPO DETERMINADO
Como sabemos, a Inspecção Geral do Trabalho “IGT” poderá autorizar o prolongamento da duração do contrato para além de 36 meses[1], mediante requerimento fundamentado da entidade empregadora, até 30 dias antes do termo, acompanhado de declaração de concordância do trabalhador, nos seguintes casos e situações:
a) Substituição de trabalhador temporariamente ausente | Se o regresso do trabalhador temporariamente ausente não tiver lugar dentro daquele prazo;
h) Desempregado há mais de um ano ou elementos doutros grupos sociais abrangidos por medidas legais de inserção ou reinserção na vida activa | Se as medidas legais de política de emprego dos grupos sociais estiverem ainda em aplicação à data de termo dos 36 meses do contrato;
j) Execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil e obras públicas, montagem e reparações industriais e outros trabalhos de idêntica natureza e temporalidade | Se a duração dos trabalhos de construção civil e actividades equiparadas for ou se tornar superior a três anos;
A problemática, neste caso, prende-se com o facto de a NLGT nada disser no caso de a IGT não responder ao pedido do empregador antes do esgotamento do prazo do contrato. É nosso entendimento de que, neste caso, teremos um deferimento tácito, nos termos regulados pelo Código do Procedimento Administrativo.
[2]4. REGIME DE SUCESSÃO DE CONTRATOS POR TEMPO DETERMINADO E SITUAÇÕES SIMILARES
A NLGT não estabelece um regime de sucessão de contratos por tempo determinado celebrados com o mesmo trabalhador. Por exemplo, ser o contrato celebrado por tempo determinado com fundamento na al. a) do n.º 1 do art.º 15.º da NLGT, e, mais tarde, existindo necessidade do empregador, ser celebrado um outro contrato por tempo determinado com fundamento na al. b) do n.º 1 do art.º 15.º da NLGT. Além disso, a NLGT também é omissa quanto ao tempo que um trabalhador, que já foi contratado por tempo determinado, deve ficar fora da empresa, antes de ser novamente contratado com o mesmo fundamento e pelo mesmo empregador, em caso de necessidade. Nestes casos, recomendamos a observância de um “período de nojo” de, pelo menos, 3 meses.
Como vimos, apesar de ser um diploma consensual, a NLGT apresenta várias omissões e incongruências relevantes. Conseguimos ver que, a rectificação de um diploma incidirá, em princípio, unicamente sobre erros materiais ou formais que resultem de divergências entre o texto original remetido e o texto publicado. Considerando que a rectificação foi omissa a um conjunto de temática relevantes, que carecem de melhor regulamentação, podemos concluir que tais matérias foram insuficientemente tratadas no texto original. Assim, para um ajuste profundo de determinadas figuras da NLGT é recomendável a aprovação de uma Lei de Alteração (art.º 10.º da Lei n.º 7/14 de 26 de Maio, Lei Sobre Publicações Oficiais e Formulários Legais). Até que se efective a alteração da lei, todos os pensadores e aplicadores do Direito são chamados para estabelecer o melhor sentido de várias omissões ou incongruências consagradas na NLGT.
[1] A Rectificação estabeleceu 36 meses como limite máximo de duração dos contratos celebrados com fundamento na al. i) do n.º 1 do art.º 15.º da NLGT, nomeadamente “Execução de tarefas bem determinadas, periódicas na actividade da entidade empregadora, mas de carácter descontínuo”.
[2] Posição defendida pelo advogado Delmiro Ymbi, que, no entanto, é criticada por procurar uma integração de lacuna a desfavor do trabalhador em matéria sancionatória.
[3] Solução semelhante encontra-se na al. b) do n.º 3 do no art.º 283.º da NLGT.
[4] O prolongamento da duração do contrato não pode ser autorizado por mais de 24 meses (n.ºs 2, 3 e 4 do art.º 16.º da NLGT).
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